Produzidos desde 1990, os relatórios do IPCC sempre foram marcados por previsões globais para o aquecimento e suas consequências, com números de amplo alcance como a elevação da temperatura média da Terra e do nível dos oceanos. Mas embora tenham servido para chamar a atenção para os efeitos planetários da ação humana, os textos muitas vezes falharam em aproximar o cidadão comum do tema e da ciência por trás dele. Diante isso, os 809 especialistas reunidos em Estocolmo para finalizar a primeira parte do novo relatório decidiram regionalizar as previsões, como explicam em rascunho de parte do documento.
Segundo os integrantes do primeiro grupo de trabalho do IPCC, esta nova parte do relatório tem como objetivo ajudar os esforços de comunicação e aumentar o engajamento do público tanto em nível regional, nacional e local nas discussões em torno das mudanças climáticas. “Embora estes públicos possam não estar interessados em discussões científicas globais ou em instituições e negociações internacionais, eles podem ficar interessados nas ameaças iminentes que as mudanças climáticas apresentam para sua segurança, seus lares, suas famílias e suas propriedades”, diz a introdução do texto, que continua: “Assim, em uma época na qual algumas pessoas consideram as mudanças climáticas 'uma ameaça futura', 'que não me diz respeito' ou 'apenas um boato', a intenção deste sumário regional e torná-las reais, relevantes e urgentes para elas”.
Ainda de acordo com os integrantes do IPCC, o destaque às previsões regionais também leva em conta que, muitas vezes, os impactos das mudanças climáticas, como secas e enchentes, não demonstram ter padrões claros quando observados globalmente. “Por outro lado, quando observadas localmente, estas descobertas científicas podem ser extremamente claras. Assim, o foco em achados locais, nacionais ou regionais não só tornará as mudanças climáticas mais relevantes para o público-alvo como também ajudará a prevenir debates mal informados ou mal conduzidos que aqueles em favor de um futuro de alto carbono podem tentar promover”, acrescenta o documento.
Para o Brasil, a expectativa do relatório regional é de mais aridez no Norte e Nordeste e ciclos de secas e tempestades extremas no Sul, acompanhadas de ondas de calor que poderão ter fortes impactos em biomas importantes como a Amazônia e o Cerrado, além de prejudicarem a agricultura e até mesmo a geração de energia pelas hidrelétricas que respondem por mais de 80% da eletricidade consumida no país. Outro alerta do texto é relativo à piora do efeito de ilhas de calor nas zonas urbanas, marcadamente no Sudeste brasileiro, onde estão as maiores cidades do país.
— A questão das cidades é um item preocupante — comenta Suzana Kahn-Ribeiro, especialista brasileira que integra o primeiro grupo de trabalho do IPCC. — As cidades precisam ser olhadas com mais atenção, pois têm um papel importante nas alterações climáticas, não só porque são as maiores fontes de emissão de gases do efeito estufa como modificam o albedo da Terra (refletividade) e alteram o microclima criando as ilhas de calor.
Já o colombiano Walter Vergara, chefe da Divisão de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), considera a América Latina uma das regiões mais vulneráveis aos eventos extremos provocados pelas mudanças no clima. Segundo Vergara, a diminuição da cobertura glacial do Ártico, da Antártica e da Cordilheira dos Andes, que provocará o aumento do nível do mar, deflagrará uma grave crise econômica em países como o Brasil, onde as cidades mais ricas e populosas são litorâneas.
— Toda a infraestrutura costeira, inclusive os portos, será afetada — ressalta. — O aumento das precipitações, outra consequência das mudanças climáticas, prejudicará a agricultura, o que causará um aumento nos preços dos alimentos. A indústria da soja será particularmente abalada.
Fonte: O Globo