Choques de cabeça preocupam médicos que trabalham no futebol


Perigo no ar. Mancuello disputa bola com Ruben Botta, do San Lorenzo, momentos antes de cair no chão desacordado
Foto: © / Ricardo Moraes/ReutersRepare bem nos próximos jogos que estiver assistindo. A cena não é incomum. A bola sobe e dois jogadores batem cabeça com cabeça e, ao menos, um deles cai, às vezes desacordado. A partir deste momento, está criado um descompasso que deixa o médico de um lado e, de outro lado, o técnico, torcedores e o próprio jogador que sofreu a pancada.

Traumas leves decorrentes de pancadas na cabeça, as concussões cerebrais são mais comuns no boxe, rúgbi e futebol americano — no qual a NFL (liga americana do esporte) foi obrigada a assumir um acordo de quase US$ 1 bilhão para compensar vítimas, pagar por tratamentos e financiar estudos. Se são menos frequentes no futebol, as lesões de gravidade leve no cérebro são levadas a sério da mesma forma e já há quem peça a mudança de regras no esporte.

— A concussão é o inimigo oculto. Os jogadores querem voltar, aconteceu com o Álvaro Pereira (do Uruguai, durante a Copa do Mundo de 2014), com o Mancuello (do Flamengo, contra o San Lorenzo, no mês passado), e com o Marinho, que até fez gol e não lembrava (atacante do Vitória, no Brasileiro de 2016). Após uma concussão, o jogador não tem condições totais de discernimento, de cumprir uma ordem do treinador, fica sem tempo de reação — afirma o neurocirurgião Jorge Pagura, que é presidente da Comissão Nacional de Médicos do Futebol e autor do livro “Concussão cerebral, mais do que uma simples batida na cabeça”, lançado no ano passado. — Isso é tema de todos os simpósios da CBF sobre saúde. A gente fala, fala, fala, mas não é fácil incutir na cabeça de todos.

CURTO TEMPO DE DIAGNÓSTICO
Em geral, a concussão é um trauma no cérebro que provoca sintomas reversíveis. No entanto, traumas frequentes, especialmente se sucedidos em um pequeno espaço de tempo — como em 90 minutos de uma partida — podem levar a consequências graves. No caso do segundo trauma, o já instável cérebro volta a chacoalhar dentro do crânio, o que, segundo Pagura, desencadeia uma “cascata inflamatória” que pode provocar um edema cerebral e levar o atleta ao coma e à morte.

Aumentar a consciência de jogadores e treinadores para os perigos da concussão é uma das prioridades atuais da FIFPro, a associação internacional de jogadores profissionais.

— Em curto período, a concussão pode gerar reações emocionais, como depressão e agressividade, além de perda de concentração, coordenação motora, problemas de visão e dores de cabeça. Esses sintomas podem aparecer em alguns minutos. Por isso, não se pode antecipar a volta ao campo— ressaltou o médico francês Vincent Gouttebarge, que é ex-jogador e coordenador médico da FIFPro.

menos técnica, mais choques
Após o choque, o médico do clube cumpre um protocolo, que se inicia com uma sequência de perguntas para atestar o nível de consciência do jogador. Um diagnóstico inicial é feito em no mínimo três minutos, o que pode ser muito tempo para o time ficar com um jogador a menos. Por isso, Pagura defende que a Fifa crie uma substituição temporária de três a 10 minutos que possibilite a avaliação de um jogador com suspeita de concussão cerebral.

— Caso houvesse a substituição temporária, os primeiros três minutos seriam para a realizar do exame SCAT (do inglês Sport Concussion Assessment) e, nos sete minutos seguintes, se observa se o jogador está recuperado — explicou Pagura.

De acordo com o médico, os choques de cabeça hoje já são a segunda maior causa de entrada de médicos para atendimento em campo, ultrapassando as lesões de joelho e ficando atrás apenas das lesões musculares. Para ele, o motivo está na falta de técnica dos jogadores, o que aumenta o número de bolas altas, além da dinâmica do futebol atual.

Fonte: O Globo