De cada mil paraibanos que tem 15 anos, 31 não chegarão aos 25

Rizemberg FelipeA última pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) representa um alerta: Os jovens paraibanos do sexo masculino estão morrendo precocemente, não por problemas de saúde, mas por causas externas diretamente ligadas à criminalidade.

Segundo a pesquisa Tábuas Completas de Mortalidade do Brasil de 2013, que confronta dados dos anos de 1980 e 2013, a probabilidade de um adolescente de 15 anos não chegar aos 25 anos aumentou 15,9% na comparação dos dois anos. Isso quer dizer que, no ano passado, a cada mil paraibanos dessa faixa etária, 31,2 deles não alcançarão os 25 anos.

Em 1980, a chance dos adolescentes de 15 anos terem mais anos de vida era maior. Para cada grupo de mil adolescentes dessa idade, 26 deles não completavam os 25 anos A Paraíba, em 1980, ocupava o 12º lugar no país no número de jovens de 15 que não completavam os 25 anos, ficando atrás de outros Estados nordestinos, como Alagoas (10º), Ceará (9º) e Pernambuco (8º), e alguns da Região Norte, como Acre (3º), Amapá (2º) e Pará (1º). No ano passado, a Paraíba já era a quarta no ranking nacional, perdendo apenas para o Pará (3º), Bahia (2º) e Alagoas (1º).

Mas o que estaria contribuindo para essas estatísticas? A análise de especialistas no assunto é que essa morte precoce dos jovens paraibanos é motivada por causas externas relacionadas à violência e a criminalidade, que por muitas vezes se dá pela baixa condição social. O adolescente 'João' (nome fictício), 17 anos, sentiu na pele a dor dessa realidade. Ele perdeu o irmão gêmeo há 1 ano e 8 meses, por conta do crime.

A vida de 'João' não era diferente da do irmão que faz parte das estatísticas do IBGE. Além do parentesco, eles eram parceiros. Juntos, praticaram atos infracionais. O preço foi a vida de um deles e a privação de liberdade do outro. 'João' está interno há dez meses no Centro Socioeducativo Edson Mota (CSE), no bairro de Mangabeira, em João Pessoa. Há dez processos contra ele, segundo a direção do local, sendo que destes, dois já foram julgados e sentenciados por tráfico de drogas e assalto a mão armada. Os demais ainda aguardam julgamento.

'João' contou que é de família humilde e que desde os seis meses de nascido, passou a morar com uma tia, por quem foi criado, assim como o irmão gêmeo assassinado. “Meu pai e minha mãe eram do mundo do crime. Ela foi presa e eu ainda fui visitá-la algumas vezes no (presídio) Júlia Maranhão, mas depois a mataram. O meu pai foi assassinado na fila do presídio. Hoje, eu sou órfão de pai e mãe”, disse.

Os filhos gêmeos seguiram o mesmo caminho dos pais, até que um deles perdeu para o crime, mas segundo 'João' a morte do irmão não foi suficiente para convencê-lo a sair dessa vida. “Foi aí que eu senti mais raiva e só queria acertar as contas. Acabei parando aqui (CSE) e desde então, comecei a mudar o pensamento. Lá fora eu só queria continuar com aquela vida e me vingar de quem matou meu irmão. A cabeça só pensava besteira e eu me afundando cada vez mais. Depois que cheguei aqui comecei a refletir. Eu era evangélico e estava afastado, mas agora votei a ler a Bíblia”, revelou.

“O problema são as más influências. Vou continuar meus estudos e quando sair daqui quero conseguir um emprego e me mudar de onde morava, porque senão eu caio de novo. Eu não quero mais isso pra mim”, garantiu.

Problema piora com o tempo
Assim como 'João', outros 600 adolescentes estão privados de liberdade na Paraíba por ter cometido algum ato infracional, segundo a presidente da Fundação Desenvolvimento Criança Adolescente Alice Almeida (Fundac), Sandra Marrocos, que aposta na prevenção como principal meio de mudar o atual cenário do Estado.

“O primeiro mapa da juventude e violência feito pela Ministério da Justiça, em 2006, já apontavam alguns agravantes para o extermínio da juventude do meio popular, onde a maioria é negra, do sexo masculino e classe social baixa, e na última década isso tem ficado mais forte. É algo grave e precisamos unir esforços para investir em políticas públicas de inclusão, como a escola de tempo integral, que é uma proposta fantástica. Além disso, precisamos estimular o convívio coletivo e oferecer cursos profissionalizantes. O olhar para a juventude precisa ser cuidadoso e fortalecido”, afirmou.

Para Sandra Marrocos, esses jovens estão inseridos em um contexto de negação de direitos no próprio território que se respeitados poderão mudar a vida dessa parcela da população, gerando esperança no futuro. “Dentro dos Centros Educacionais (CEAs e CSE) temos escolas, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado, para dar acesso à educação a esses jovens. No último Enem (Exame Nacional de Ensino Médio), um adolescente privado de liberdade foi aprovado para o curso de Engenharia de Produção na UFPB (Universidade Federal da Paraíba), com apenas 17 anos. Além dele, outros 23 foram aprovados na Olimpíada Nacional de Matemática. Isso é muito gratificante porque vemos a mudança de vida que podemos proporcionar para eles”, contou.

Nas unidades socioeducativas, os jovens participam de oficinas terapêuticas ocupacionais, como de música, esporte e cultura, além curso fornecidos pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). “Neste ano, duas turmas de 20 adolescentes receberam o certificado dos cursos de pintura, construção civil e revestimento em cerâmica. No próximo ano, todos os internos serão automaticamente inseridos nos cursos”, pontuou.

Número de mortes na Paraíba sofre influência da taxa de mortalidade juvenil
O responsável pelo setor de Supervisão de Disseminação de Informação (SDI) do IBGE na Paraíba, Jorge Souza Alves, explicou que os estudos apontam que essa expectativa de vida poderia ser maior, dado que a mortalidade infantil tem reduzido fortemente no país, notadamente no Norte e Nordeste. “Os jovens poderiam viver mais, mas em função da mortalidade por causas externas e violentas, como acidentes de trânsito, assaltos e outros crimes. Quando olhamos o número de óbitos por faixa etária, percebemos uma proporção forte de jovens, com idade entre 15 e 24 anos, que morrem por essas causas violentas”, observou.

“A taxa de mortalidade total no Estado é influenciada pela mortalidade juvenil. O grande debate é que se reduzisse as mortes de jovens por conta da violência, a expectativa de vida seria maior. O índice de mortalidade por causas violentas, coloca a Paraíba em 4º lugar entre os Estados de maior probabilidade de um jovem de 15 anos não alcançar os 25 anos”, acrescentou.

Para gestores públicos, como a titular da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano (Sedh), Aparecida Ramos, a mortalidade juvenil é a principal questão social da atualidade e um desafio, não só para a Paraíba, mas para o mundo inteiro. “Aumentamos a longevidade, mas nossa juventude está morrendo e isso diz respeito à questão das drogas também e da criminalidade que faz parte desse contexto. É um desafio para a humanidade, o que torna o problema ainda mais grave, do que se fosse uma batalha de um governante”, ponderou.

Cida Ramos ressaltou que a mercantilidade das drogas faz com que as políticas públicas não consigam acompanhar os seus reflexos na sociedade, por ser uma política onerosa, que necessita do envolvimento da humanidade. “Isso também está ligado à cultura, mídia e envolve diversos setores. Nesse combate, o papel do Estado é fundamental, onde tem a obrigação de criar políticas públicas para a juventude. O que temos é incipiente, precisamos avançar muito, principalmente, na política de qualificação profissional. Temos que entrar nessa disputa com as drogas, seduzir os jovens como elas seduzem”, asseverou.

Análise da notícia pela promotora da Infância e Juventude, Soraya Escorel
“Essa realidade é algo muito sério. Ela justifica a existência do Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), não apenas em nosso Estado, mas em todo o país. Isso tem motivado a preocupação de todos em levar às autoridades e o poder público a investirem na prevenção para evitar que a situação chegue a esses dados lamentáveis. Esses jovens morrem por causas trágicas, devido ao envolvimento em atos infracionais, inclusive homicídios. Na Promotoria, percebemos que essas mortes acontecem, principalmente, porque os eles se envolvem cedo com o mundo do tráfico. É preciso um investimento maior na prevenção, não adianta implementar ações depois do crime acontecer. A família também precisa se envolver, pois nos dias atuais houve uma inversão de valores, onde os pais não têm mais poder sobre os filhos. Eles não se respeitam e isso gera uma situação difícil de violação dos próprios direitos e os menores procuram o mundo do crime por oferecer uma falsa vida fácil. O tráfico de drogas é o primeiro passo, ainda na função de 'aviõezinhos'. A maioria dos casos que chegam à Promotoria são de crianças e adolescentes ameaços de morte por envolvimento com o mundo do trafico e, infelizmente, muitos morrem por não dar tempo de chegar até nós para ser encaminhado aos programas de proteção e compõem as estatísticas”.

Fonte: Jaine Alves-Jornal da Paraiba