Congelar ou não congelar: eis a questão. A decisão de coletar e guardar o material genético encontrado no cordão umbilical de recém-nascidos vem gradativamente ganhando a atenção de pais, médicos e estudiosos. As células-tronco provenientes do sangue do cordão umbilical são vistas por alguns como possibilidade de cura para diversos problemas de saúde. Inúmeras pesquisas científicas estão feitas com esse material genético que pode, inclusive, recuperar outras células do corpo.
Mãe de duas crianças, a oficial de justiça Roseanne Caldas, de 41 anos, é uma das que apostaram no procedimento, procurando um banco particular para colher e armazenar as células-tronco dos filhos. “Busquei na internet os benefícios e as doenças que poderiam ser curadas. São poucas ainda, mas como não tem prazo de validade, pode ser que daqui a alguns anos os tratamentos e os transplantes sejam mais abrangentes, inclusive solucionando transtornos de gravidade maior”, afirma.
Segundo Roseanne, por não existirem laboratórios especializados na Paraíba, foi necessário recorrer a uma empresa de São Paulo, com sede em Recife. “Nas duas vezes em que estive grávida, expliquei e avisei tudo para eles: o tipo de parto, a data marcada. A equipe viajou para cá no dia e, antes de eu entrar na sala, veio falar comigo no quarto, expondo o passo a passo do processo. Depois pegaram o material, fizeram análises para dizer a qualidade e entregaram uma carteirinha contendo o lote e outros dados para acompanhamento”, comenta.
De acordo com ela, o investimento, que pode chegar a cerca de R$ 4 mil com taxas anuais de R$ 600, apesar de ser caro, proporciona tranquilidade à família. “Quando eu e meu marido soubemos do preço, nos questionamos se valeria a pena. Mas logo pensamos no custo-benefício e vimos que em longo prazo representaria uma segurança a mais. Foi uma decisão conjunta e já faz parte do nosso orçamento”, observa, frisando que em nenhum momento se arrependeu de ter optado pelo congelamento.
“Minha gravidez foi bastante desejada. Foram 12 anos tentando com muito desgaste por meio de inseminações artificiais e fertilizações in vitro, até que de forma inesperada consegui engravidar naturalmente duas vezes, uma em 2011 e a outra em 2012, e manter. Foi uma conquista, então tudo o que eu puder fazer por eles, farei”, garante Roseanne, que conta orgulhosamente a história dos meninos Yan e Ygor. “Sempre quando falo sobre isso dizem que eles são meus dois milagres”, finaliza.
Terapia com sangue do cordão umbilical avança no Brasil
Para o hematologista e fundador do laboratório Cordcell, Adelson Alves, a terapia com o sangue do cordão umbilical já é um avanço incontestável na medicina. Conforme ele, estudos nos últimos 20 anos já demonstraram que essa é a principal fonte disponível de células-tronco para transplantes. “Hoje já são mais de oitenta doenças tratáveis com o uso destas células e há várias aplicações em fase de pesquisas em seres humanos”, revela.
Segundo o especialista, entre os problemas de saúde que podem ser curados com o material estão leucemias agudas e crônicas, linfomas, anemias, câncer de medula óssea, doenças hereditárias do sistema imunológico e imunitário, além de doenças herdadas do metabolismo e distúrbios dos fagócitos. “Há outras terapias em ensaios clínicos e tratamentos para os quais as células-tronco parecem ser benéficas, mas ainda não foram adotadas como padrão”, menciona.
“Para algumas doenças, os transplantes de células-tronco apenas retardam a progressão, mas não produzem a cura. Para outras, podem ajudar a curar, mas são necessárias mais análises para determinar os pacientes que seriam melhores candidatos, as doses ideais, o método adequado de infusão celular, entre outras delimitações”, acrescenta, frisando que, no Brasil, pacientes com alguns diagnósticos podem ter acesso à terapia com células-tronco se aceitarem se submeter a pesquisas.
Coleta é realizada no momento do parto
De acordo com o hematologista Adelson Alves, para que a técnica seja desenvolvida de maneira correta, é necessário que a gestante atinja no mínimo 32 semanas de gestação, período em que as células-tronco começam a circular no cordão umbilical. Ele ainda ressalta que o procedimento é simples, rápido e não interfere no nascimento do bebê.
“A coleta é realizada logo após o parto, quando o obstetra corta o cordão umbilical. É nesse momento que o enfermeiro aproxima-se do médico e recolhe o sangue com uma agulha conectada a uma bolsa estéril”, esclarece, alertando que a retirada do material precisa ser feita neste momento por ser a única ocasião favorável para a preservação das células.
“Após a coleta, as células-tronco são transportadas imediatamente para nosso laboratório, seguindo todo o processo exigido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Lá, elas são processadas, armazenadas e preservadas em nitrogênio líquido a -196º graus, ficando aptas para utilização, caso necessário”, sustenta.
Em relação aos requisitos para a utilização do material, o especialista salienta que a liberação é feita tanto para questões terapêuticas autólogas – aquela em que o paciente recebe o próprio sangue – quanto para familiares do doador, “desde que haja compatibilidade das células”.
Para o presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia da Paraíba (Sogopa), Roberto Magliano de Morais, a procura pela extração de células-tronco do cordão umbilical ainda é pequena no Estado. “Vejo que este é um mercado que precisa ser mais explorado. Pela capacidade de resolver problemas graves e pela simplicidade da técnica, o interesse deveria ser bem maior”, analisa o médico.
Ele acredita que os altos custos e a falta de empresas que trabalham com a questão nas cidades paraibanas contribuem para o cenário. “Acho que os laboratórios e o governo Federal têm que investir mais nisso, com qualidade e infraestrutura adequada. Infelizmente, hoje em dia, a cada parto, células que poderiam salvar vidas estão sendo jogadas fora”, lamenta.
Fonte: Phillpe Xavier-Jornal da Paraiba